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O que dizem os parceiros sobre o novo Livro Verde do Trabalho
DINHEIRO VIVO


Documento do governo para mudar leis laborais começa a ser discutido na quarta-feira pelos parceiros sociais. Vai a consulta em novembro.
Teletrabalho No segundo trimestre deste ano, houve mais de um milhão de portugueses a trabalhar em casa, segundo dados do INE conhecidos no início de agosto. O teletrabalho, que em muitos sectores deverá continuar a ser privilegiado, é das matérias do Livro Verde aquela que parece impor mais brevidade às discussões. Mas, porque já está há vários anos legislado no Código do Trabalho, os parceiros veem lugar apenas para algumas adaptações. Para o Turismo, que vive da presença dos trabalhadores, não é inclusivamente assunto prioritário. UGT e CGTP vão com cautelas. Para a UGT, não são precisas alterações de fundo. Trata-se de regular “encargos e custos, clarificar a proteção da vida pessoal e o papel da negociação coletiva”. A CGTP alerta para efeitos negativos do teletrabalho, cujo alargamento, diz, dará mais a ganhar aos patrões que aos empregados. Mas admite que é “fundamental esclarecer, nomeadamente, aspectos relacionados com o pagamento dos custos associados ao teletrabalho; com o respeito pela privacidade dos trabalhadores e suas famílias; com a segurança e saúde no trabalho e regime de acidentes de trabalho; com o exercício de direitos sindicais”.
Direito a desligar Em que situações é que os empregadores podem ligar ou mandar e-mails aos trabalhadores fora do horário de trabalho? O tempo em viagem de trabalho conta todo como trabalho ou como descanso? Como remunerar a disponibilidade dos trabalhadores fora do seu horário convencional? São questões abertas e sem resposta, que, para já, não suscitam urgência junto dos parceiros sociais. Os patrões não se pronunciam, e as centrais sindicais têm receio de mexer numa matéria que lhes parece à partida assunto encerrado. Para a CGTP, “o que está em causa nesta discussão não é o direito do trabalhador a desligar, mas sim o direito do patrão a ligar” está-se perante “um mito criado para enganar trabalhadores”. “De acordo com a lei em vigor, qualquer trabalhador tem hoje o direito de desligar, de se libertar das obrigações que o seu vínculo laboral estabelece assim que é ultrapassado o seu tempo de trabalho e entendemos que esta deve ser a norma e a regra que deve ser mantida e cumprida”, diz a Inter. A UGT vai no mesmo sentido, alertando para tentativas “bem intencionadas” que abrem caminho a maior desregulação: “Direito a férias, horários de trabalho são para respeitar e o direito a desligar remete para o respeito integral pelos horários de trabalho pela generalidade dos direitos estabelecidos na lei e na negociação coletiva.” Conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar A matéria esteve a ser discutida por um grupo de trabalho da Concertação Social até à chegada da pandemia, com o governo a apresentar inclusivamente uma proposta para assegurar o acesso à opção de part-time com remuneração por períodos não trabalhados para quem tem filhos pequenos. Ainda não se conhecem posições finais, mas do lado dos patrões há preocupação com a necessidade de substituir estes trabalhadores. A CTP diz para já que centrar o tema da conciliação nas licenças parentais é “afunilar” a discussão. A UGT vê as intenções como “genericamente positivas” e defende que o debate deve prosseguir. A CGTP considera-as insuficientes, mas ainda assim “um passo”. O problema, diz a Inter, está na efetivação de direitos alargados de parentalidade, que conhece “entraves”: “a precariedade, a extensão e prolongamento do horário de trabalho, a intensificação dos ritmos de trabalho”. Trabalhadores das plataformas digitais Um estudo recente conduzido pelo think-tank da Comissão Europeia, o Centro de Investigação Comum, coloca Portugal como terceiro país europeu com maior percentagem de trabalhadores que em algum momento da vida estiveram aos serviço de plataformas como a Uber, nos 11,5%, atrás de Espanha e Reino Unido. Mas o enquadramento laboral e de proteção social destes trabalhadores, cá como noutros países, mantém-se incerto, e os coordenadores do Livro Verde abrem o tópico para debate. Entre os patrões, a CTP diz que “há um caminho a percorrer, desde que seja debatido sem preconceitos ideológicos”. Para o Turismo, “a realidade é que a legislação laboral portuguesa é pouco adaptável às novas mencionadas realidades, o que não invalida que quem bem conheça os meandros do Código do Trabalho não encontre forma de acolher e enquadrar legalmente a realidade desses trabalhadores”. Já as centrais sindicais não querem ouvir falar da possibilidade de o debate sobre as garantias para estes trabalhadores acabar por trazer, afinal, ainda mais segmentação e precariedade para o mercado de trabalho. A CGTP denuncia “o mito da necessidade de inventar novos tipos de relação laboral, alegadamente mais modernos e adequados ao progresso do mundo digital”. “As relações laborais não são diferentes pelo simples facto de se desenvolverem no mundo digital. A relação entre as partes empregadora e trabalhadora é exatamente a mesma e, portanto, os tipos de contrato existentes adequam-se perfeitamente, desde que a parte empregadora – que tem o poder na mão como sucede em qualquer relação laboral – queira conformar-se com a lei e respeitar os direitos de quem trabalha”, defende. No mesmo sentido vai a outra central representada na Concertação Social. “A realidade da prestação dos trabalhadores nas plataformas digitais pode ser muito diversa, mas a UGT defende que esses trabalhadores – tais como outros sujeitos a vínculos atípicos que vão surgindo – devem ser reconhecidos como verdadeiros trabalhadores e, consequentemente, serem chamados para a proteção que lhes confere a legislação laboral, a negociação coletiva e para uma proteção social adequada”, diz a central liderada por Carlos Silva. Formação e aprendizagem ao longo da vida Os relatórios das instâncias europeias também destacam Portugal como um dos países onde mais tem regredido o investimento público e privado na formação dos trabalhadores. O assunto é tema recorrente na agenda dos parceiros sociais, mas com poucos resultados. O último relatório do Ministério do Trabalho sobre formação contínua, de 2018, mostra que no ano passado menos empresas investiram nas qualificações dos trabalhadores. Foram apenas 16%, num mínimo desde 2010. Entre as organizações empresariais, Francisco Calheiros admite que “este assunto é recorrente há décadas e nem sempre é bem tratado” e defende que o Turismo tem vindo a promover alguns programas de qualificação. Mas o investimento cai. A UGT destaca que houve já menos fundos europeus nos últimos anos. “O último Acordo de Parceria de Portugal com a UE penalizou muito as verbas da formação”. Por outro lado, diz, “os empregadores não podem continuar a ver a formação como um custo, a incumprir com o direito individual à formação, a assumir que a formação é uma responsabilidade apenas do Estado ou prosseguir com a adoção de práticas, como o recurso excessivo à contratação precária, que sabemos serem um impeditivo a uma real e efetiva formação contínua dos trabalhadores”. E, mesmo quando há formação, esta nem sempre é a mais adequada. A CGTP quer que as 40 horas anuais de formação obrigatória pelas empresas, aumentadas na última revisão do Código do Trabalho, “sejam afetas a soluções formativas com correspondência no Catálogo Nacional de Qualificações, de modo a garantir, por essa via, o reforço efetivo das qualificações dos trabalhadores”. Por outro lado, defende o reforço de verbas do programa Qualifica, e que este passe a chegar a regiões de baixa densidade populacional.