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Centeno. Há risco de nova crise financeira, governos têm de usar bem os fundos
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A atual crise económica pode resvalar para uma nova crise financeira se não forem usados todos os instrumentos de política orçamental e monetária disponíveis, de forma direcionada, preferencialmente, alertou Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal (BdP), numa intervenção feita no âmbito dos encontros anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nesse mesmo discurso, na sexta-feira, dirigido a uma audiência internacional de decisores de topo, o ex-ministro das Finanças sublinhou ainda que os governos têm de usar muito bem os fundos que vão receber para sair da crise e tentar não acumular mais dívida; esta terá de descer num futuro próximo. A dívida tem de ser sustentável, insistiu.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, tem evitado referir-se diretamente à possibilidade de uma nova crise financeira, uma que deite abaixo os mercados e perturbe o custo da dívida. Lagarde tem tido esse cuidado, mas já por várias vezes se referiu aos riscos crescentes para a estabilidade financeira. A mais recente data de 15 de outubro.

Centeno aproveitou o palco do FMI para deixar vários avisos à navegação, muitos deles, certamente, para consumo interno.

Primeiro, num tom mais genérico, mais europeu, o governador alertou para a "miopia" dos agentes do mercado, que podem estar a fazer investimentos como se as taxas de juro nunca fossem subir dos atuais mínimos históricos. É algo que pode concentrar dinheiro e criar bolhas que ameaçam a estabilidade financeira.

Por exemplo, já vários economistas e instituições alertaram para o facto de os bancos (os portugueses são um exemplo disso) estarem a acumular demasiada dívida pública nos seus balanços, o que ressuscita os medos da crise anterior. Quando a dívida começou a ter problemas, os bancos acabaram por ser arrastados. Isto não aconteceu só em Portugal. A anterior crise financeira e da dívida foi sistémica e global.

"Devemos assegurar-nos de que possíveis movimentos de procura por rendibilidade não ameaçam a estabilidade financeira, principalmente se os agentes têm expectativas míopes e esperam taxas de juro baixas por muito tempo", referiu Centeno.

Nesse aspeto, o governador assegurou que as autoridades (o BCE, sobretudo) têm ao seu dispor "um conjunto de políticas macroprudenciais e microprudenciais" caso seja necessário calibrar os incentivos dos bancos e de quem pede emprestado. Essas repostas podem ser dirigidas, podem ser desenhadas à medida dos setores em causa e dos países, disse.

E se for preciso "outro tipo de respostas", "elas certamente serão analisadas".

Isto para concluir que, nesta fase da crise pandémica, "todos os instrumentos são necessários" pois "a crise atual não pode transformar-se numa crise financeira", acenou Mário Centeno.

Menos proteção para empregos pouco produtivos, mais apoio aos produtivos.

O outro sinal forte foi para os governos, sobretudo os mais endividados. O ex-ministro acredita que a atual crise vai ser em V. A descida foi a pique, a recessão profunda e histórica, mas a recuperação também pode ser mais rápida. A questão é que subir vai custar mais.

"Todas as crises envolvem alguma forma de reafetação de recursos e de mudanças estruturais", mas "chegar ao topo exige um aumento da dinâmica do mercado de trabalho, sempre cheia de riscos, mas necessária para promover o regresso aos níveis anteriores de riqueza (PIB ou produto interno bruto). Isso, eventualmente, requer mudanças na proteção dos empregos existentes e mais apoio a novas contratações nos setores dinâmicos", defendeu o chefe do banco central português.

Além disso, as economias estão agora "a sair da zona de perigo, mas com dívidas mais altas".

Logo, continuou, "a sustentabilidade da dívida depende das decisões tomadas nesta fase. Um uso inteligente dos fundos que apoiam o crescimento permitirá que as nossas economias superem o problema da dívida, a dívida é sustentável se o devedor gerar rendimentos", concluiu Centeno.

Com Portugal no pensamento

Há escassas semanas, o mesmo Mário Centeno apresentou o seu primeiro boletim económico no Banco de Portugal. Uma das grandes preocupações foi a dívida portuguesa, que pode vir a tornar-se num fardo ainda maior e um empecilho no futuro.

Para o BdP, o estímulo orçamental para sair da crise vai ser significativo e "parte deste esforço pode vir a ser financiado por iniciativas europeias".

No entanto, "no futuro próximo, o equilíbrio entre a necessidade de adotar medidas adicionais para estimular a economia, ainda que beneficiando de fundos europeus, e a manutenção da sustentabilidade das finanças públicas a médio prazo representará um desafio, em particular em países com uma dívida pública elevada, como é o caso de Portugal".