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Pandemia trouxe profusão de leis e muita confusão
JORNAL DE NEGÓCIOS


A pandemia e a necessidade de dar resposta à economia como um todo e, em particular, às empresas em maiores dificuldades fizeram disparar a produção legislativa. Foi um processo inevitável, consideram os advogados ouvidos pelo Negócios. Contudo, lamentam que muitas vezes a pouca clareza das leis se tenha transformado e continue a ser um entrave a quem procura respostas e apoios.

A advogada Maria da Glória Leitão, sócia coordenadora do departamento de laboral da sociedade Cuatrecasas, admite que a "situação pandémica complexa e dinâmica exige respostas flexíveis". Contudo, sublinha, as medidas em cada momento em vigor "deveriam ser claras, fáceis de entender, apreender e aplicar". E a razão é simples, como explica: "É difícil gerir uma empresa com sucessivas mudanças de regime, muitas vezes constando de diplomas publicados num dia, para entrar em vigor no dia seguinte, ou na hora ou na meia hora seguintes, como já aconteceu."

Para o fiscalista João Espanha, a profusão legislativa "está a transformar-se num entrave para as empresas que querem beneficiar das medidas de apoio anunciadas pelo Governo", até porque, como adianta, estamos perante "centenas de alterações legislativas e regulamentares", algo em que vê improvisação e o consequente exaspero por parte de quem procura respostas.

A desarticulação entre comunicação, atividade legislativa e capacidade instalada, para a execução das medidas [de apoio às empresas], tem criado uma enorme confusão.José Nogueira
Managing partner da sociedade RSN
O processo de produção legislativa nacional "foi sempre marcado por um certo fator de reatividade o que, tendo em conta o caráter evolutivo desta pandemia, acabou por sair reforçado de forma exponencial", frisa João Nóbrega, sócio Raposo Subtil e Associados. No entanto, face aos entraves que esta profusão acaba por criar, o mesmo advogado defende que tem de haver mais e melhor informação e maior celeridade nas respostas.

Falta de clareza e confusão

José Nogueira, managing partner da RSN Advogados, entende que "a desarticulação entre comunicação, atividade legislativa e capacidade instalada, para a execução das medidas, tem criado uma enorme confusão e a perceção nos agentes económicos de que o que se anuncia não é rigoroso e que na verdade o que não há são apoios". Segundo adianta, "em parte, essa perceção é real, mas também é um facto que os que existem não estão a chegar de forma eficiente". E aponta um exemplo, com a normalização da atividade empresarial, que ontem mesmo "veio alterar e reduzir o alcance da medida".

Já Amílcar Silva, "Of Counsel" da Antas da Cunha Ecija , explica que o excesso de burocracia tem sido uma das queixas recorrentes dos clientes da sociedade, que em sua opinião "tem como efeito evidente retardar a chegada dos apoios à economia real". Alguma dessa "chuva" de leis, diz, "poderia ser evitável com uma maior ponderação no processo legislativo, evitando-se por exemplo as constantes retificações a que muitas medidas têm sido sujeitas para clarificar dúvidas interpretativas ou para corrigir problemas de implementação".

O fiscalista Patrick Dewerbe, sócio da CMS-RPA, não deixa de aplaudir a capacidade de resposta do Governo face à crise pandémica, de que resultou "uma profusão legislativa inevitável". Sucede que, como adianta este advogado, "a mesma é, em certos casos, complexa e de difícil apreensão para as pessoas e empresas". Como solução, o mesmo advogado defende que se consolide "a legislação de caráter excecional já publicada num diploma único, que concentraria as diferentes medidas aprovadas avulso".


Apoios às empresas suscitam aplausos, mas sabem a pouco

Embora tudo dependa dos setores de atividade, as medidas anunciadas pelo Governo para apoiar as empresas em dificuldade, devido à crise causada pela pandemia, são as necessárias?

Amílcar Silva, "Of Counsel" da Antas da Cunha Ecija & Associados, frisa antes de tudo que "é de elementar justiça reconhecer que a tomada de decisão sobre as medidas de apoio a implementar é particularmente complexa", tendo em conta a imprevisibilidade da evolução da situação. Ainda assim, identifica algumas questões que causam dúvidas. Desde logo, "a exigência que é feita às empresas de terem uma situação regularizada perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social para poderem beneficiar dos apoios, o que parece contraditório com o objetivo dos próprios apoios, sobretudo no caso de empresas que tinham a sua situação perfeitamente regularizada antes da pandemia e que só começaram a incumprir".

Em termos fiscais, as medidas tomadas até ao momento, como sejam o adiamento dos prazos de pagamento de algumas prestações tributárias, estão entre as medidas importantes para atenuar as dificuldades dos contribuintes, defende Patrick Dewerbe, sócio coordenador de Fiscal da CMS Rui Pena & Arnaut. No entanto, adianta, "estamos perante medidas meramente paliativas que de certa forma apenas ‘mexem’ nos prazos, suspendendo ou adiando o cumprimento de determinadas obrigações".

Até por isso, defende a tomada de medidas concretas, em particular no que respeita a prejuízos fiscais incorridos nos anos de 2020 e 2021. A eliminação da limitação da dedução dos prejuízos fiscais a 70% da matéria coletável e a admissibilidade de planos de pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantias são outras propostas que defende.

"As medidas anunciadas têm de ser, antes de mais, articuladas num plano de resposta estrutural aos desafios e impactos colocados pela pandemia, para lá do que seria uma mera e indesejada resposta legislativa conjuntural. É necessário, por um lado, garantir uma maior adequabilidade e eficácia das medidas já tomadas", defende João Nóbrega, sócio da RSA - Raposo Subtil .

Nesse sentido, adianta, "é fundamental garantir uma maior inteligibilidade do conteúdo, dos procedimentos, assim como assegurar flexibilidade no acesso aos diversos apoios, sempre na ótica dos beneficiários", frisa .