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«Sem política de migração não vamos resolver o nosso problema de supressão de mão de obra», afirma António Saraiva
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O presidente da CIP participou na conferência “Trabalho e Mérito”, promovida na passada quinta-feira pela consultora de recursos humanos Kelly. O foco foi o facto de os contextos socioeconómicos de cada aluno impactarem directamente o seu percurso profissional, limitando as opções de um país que carece de mão de obra qualificada e que precisa de reinventar as suas mecânicas de retenção de talento.

A iniciativa juntou António Saraiva, presidente da CIP; Vanda Brito, directora de Recursos Humanos da Kelly; Rita Távora, Competence manager da IKEA Portugal; e Fernando Seara, advogado e professor universitário.

«Hoje, os candidatos dominam o mercado. São eles que escolhem onde querem trabalhar», afirmou Vanda Brito, diretora de RH da Kelly. A responsável relacionou os «problemas graves no nosso elevador social» com «um défice de competências e falta das mesmas em áreas-chave como a saúde, tecnologia ou engenharia», lacunas resultantes «de novas realidades como o trabalho remoto e do reforço do investimento de empresas estrangeiras no país». Isso traz, segundo Vanda Brito, «uma pressão acrescida às nossas organizações para se tornarem competitivas, respondendo a estas circunstâncias com novas dinâmicas de oportunidade de trabalho e salários aliciantes para os nossos colaboradores».

Essa capacidade competitiva continua, no entanto, limitada. António Saraiva, presidente da CIP, lembrou que «as empresas sinalizam, há muitos anos, a necessidade da adaptação das leis laborais, de fiscalidade, dos custos burocráticos, bem como a falta de mão de obra qualificada». O representante dos patrões nacionais não deixou, por isso, apelar à intervenção do Estado: «Sem política de captação de migração não vamos resolver o nosso problema de supressão de mão de obra pelo que é urgente captar a migração e desenvolver metodologias para integração no nosso país, em termos de língua e cultura».

É precisamente com base na cultura interna que a IKEA desenvolve as suas mecânicas de recrutamento. «A primeira coisa que procuramos no recrutamento é a identificação com o nosso propósito, a capacidade de trabalhar em equipa e a ambição pelo desenvolvimento pessoal», revelou Rita Távora. A Country Leadership & Competence manager da IKEA Portugal acrescentou que a prioridade dada à pessoa e não ao profissional tem sido «fundamental para requalificação da empresa em si», mas também para a possibilidade de desenhar planos de carreira para cada um dos seus colaboradores. Essa capacidade de adaptação e requalificação, refere, é recompensada de diferentes formas: «Além de aumento de salários, há outros benefícios que ajudam a retribuir e a reter talento nas empresas – a dimensão mais humana, na qual a empresa mostra que se preocupa com o bem-estar dos seus colaboradores».

Em resposta ao tema da requalificação nas organizações, o professor e advogado Fernando Seara recorreu à sua experiência académica e considerou que «as universidades, em alguns casos, estão desfasadas do mercado de trabalho», sugerindo que a comunidade académica proceda a uma maior aproximação do mercado laboral português para que os novos licenciados consigam responder de imediato às necessidades do país. Mesmo com a capacidade de aumentar salários, antevê Fernando Seara, «as empresas vão continuar a não conseguir segurar o talento que ainda existe».

A competitividade das empresas já não se rege apenas pelo salário que oferecem. Aos olhos dos colaboradores, o pacote salarial já vai muito além da remuneração. «Não estamos ainda preparados para esta nova realidade, mas teremos de saber adaptarmo-nos à mudança, sendo o tema das soft skills em destaque, porque sabemos que a remuneração não é o mais importante para os jovens, mas sim o que as empresas oferecem, como o equilíbrio entre trabalho e família, a possibilidade de requalificação e outras dimensões e benefícios diferentes», afirmou o presidente da CIP, António Saraiva.

Na óptica de quem conhece e opera no mercado de trabalho, as palavras “diversidade” e “inclusão” revelam-se, por isso, pedras basilares para o sucesso tanto das empresas como dos colaboradores. Como empregadora, “é preciso diversidade, começando pelo recrutamento fora das mesmas universidades, saindo da zona de conforto, tendo uma intervenção direta para dar outras oportunidades a outros alunos, a outras experiências, desde formação académica à integração de pessoas com deficiência física, por exemplo”, explicou Vanda Brito, deixando a garantia de que “as empresas mais competitivas são aquelas que conseguem trabalhar o up-skilling e re-skilling dos seus colaboradores”.

Essa aposta na diversidade tem sido, precisamente, um dos ingredientes para o sucesso interno da IKEA, que aposta inicialmente numa abrangência de perfis cujas competências são depois trabalhadas em casa: «Temos também um compromisso real de igualdade, diversidade e inclusão em todas as dimensões, seja de etnias e racial, como também em género, havendo um equilíbrio de funções de direcção com igual salário entre homens e mulheres. Além disso, temos ainda um programa dirigido a refugiados que tem como propósito ajudar à integração – seja na língua ou na cultura – e a dar competências para futuros trabalhos, na IKEA ou fora dela», rematou Rita Távora.

Contexto sócio-económico impacta e limita percursos profissionais

O painel de debate foi antecedido por uma apresentação de Maria Azevedo, co-fundadora da Teach for Portugal, uma organização que trabalha para promover a igualdade de oportunidades no ensino para todos os alunos. Através de uma interacção baseada na empatia, foi desconstruída a ideia de que o caminho da meritocracia seja igual para todos, visto que contexto socioeconómico de cada aluno interfere diretamente com o seu sucesso escolar e, por consequência, no seu percurso profissional. «A sociedade dá mais a quem tem mais, tornando-se injusta e desigual, obrigando a que as crianças com um contexto socioeconómico mais limitado tenham de fazer um esforço desmesurado para conseguir pouco», salientou Maria Azevedo.

Citando dados da OCDE, a responsável sublinhou que «os filhos de profissionais em posições de chefia tem cinco vezes mais hipóteses de ascender a posições de chefia do que os filhos de trabalhadores manuais», ao passo que «55% dos filhos de trabalhadores manuais tornam-se também eles trabalhadores manuais». Lembrando que «a educação é o principal pilar da mobilidade social», Maria Azevedo apelou a um maior esforço para que sejam criadas condições para a criação de uma «sociedade verdadeiramente justa e inclusiva, na qual cada pessoa possa sonhar em tornar-se naquilo que quer ser no futuro».