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Que travões propõe o Governo à caducidade das convenções coletivas?
JORNAL DE NEGÓCIOS
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O tema é de tal forma sensível que Ana Mendes Godinho (na foto), ministra de um Governo que sempre recusou a revogação da caducidade pedida há quase 20 anos pelo PCP, chegou a admitir, no Parlamento, a suspensão da caducidade “sem limite de tempo”. Foi a 25 de outubro, dois dias antes do chumbo do Orçamento do Estado.
Sete meses volvidos, e já no contexto da maioria absoluta, a proposta de alterações ao Código do Trabalho que o Governo entregou no Parlamento não vai por aí, embora crie novos travões à denúncia das convenções.
A questão é relevante para associações patronais e sindicais, na medida em que define as situações em que as convenções coletivas que negociaram no passado – que definem salários e condições de trabalho com força de lei – permanecem ou não em vigor.
A alteração das regras sobre as circunstâncias em que isso acontece condiciona o poder de cada uma das partes, tanto em matérias salariais como noutras. Os sindicatos têm dito que a introdução da caducidade, em 2003, veio desequilibrar o jogo a favor dos patrões, que por sua vez tentam proteger esta figura, que consideram essencial para a dinamização da negociação e do seu conteúdo.
O que traz a proposta?
A denúncia da convenção é o primeiro passo para o processo que leva à caducidade. A legislação em vigor prevê que a denúncia – geralmente requerida pelas associações patronais – seja fundamentada, mas acrescenta que tal não põe em causa a “validade e eficácia” da denúncia.
Agora, esta última salvaguarda cai e, além disso, o Governo acrescenta um novo artigo que prevê que a própria fundamentação possa ser apreciada por um tribunal arbitral.
Tal como explica Ana Manuela Barbosa, sócia contratada da Abreu Advogados, “a redação atual prevê a necessidade de denúncia com fundamentação, mas a fundamentação não prejudica os efeitos ou a validade da denúncia”. Agora, “ao retirarem esta [última] expressão e aditarem um novo artigo parece que a necessidade de fundamentação ganha uma nova vida”. Isto porque passa a haver a possibilidade “de a parte destinatária, a entidade contra a qual foi deduzida a denúncia, requerer a apreciação da fundamentação ao presidente do Conselho Económico e Social”.
Este requerimento “vai suspender os efeitos da denúncia, que ficam em ‘stand-by’. E se a fundamentação for julgada insuficiente em sede de arbitragem – pelos árbitros – a denúncia não produz efeitos. Neste cenário, a convenção vai continuar a vigorar.”
No final da reunião de concertação social onde o Governo deixou cair, por exemplo, novos requisitos ao despedimento em período experimental, em linha com o que pediam as associações patronais, Ana Mendes Godinho identificou esta proposta como uma cedência aos sindicatos.
Por outro lado, e tal como também explica a advogada, “passa a ser possível que, em momento anterior à caducidade, qualquer das partes requeira a arbitragem necessária ainda durante o período de sobrevigência da convenção”, caso a mediação se conclua sem acordo.
Em suma, para a advogada, “há dois novos mecanismos para travar a caducidade”. “O que está feito é no sentido de evitar espaços vazios em termos de negociação coletiva, pelo que mecanismos contrários não fariam sentido.”
Também o Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (Colabor), que se dedica aos temas do trabalho, considerou estas duas alterações “significativas”. A proposta, que ainda pode sofrer mexidas, entra em vigor a 1 de janeiro de 2023, mas estas questões ainda serão alvo de regulamentação.
Nova moratória cai
O que constava da proposta de outubro, mas não consta da nova, é a norma que previa que “durante 36 meses” ficassem “suspensos os prazos de sobrevigência das convenções coletivas de trabalho”.
Esta era uma das dez “linhas vermelhas” da Confederação Empresarial (CIP) e é uma da dez “medidas que caíram” destacadas na semana passada pelo deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro. A suspensão em vigor termina em março de 2023.