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"Apesar de tudo, a aplicação da taxa sobre lucros extraordinários vai ter utilidade", diz CCP
DINHEIRO VIVO


Taxa de 33% será aplicada sobre os lucros das empresas energéticas e da distribuição alimentar neste ano e no próximo se ficarem 20% acima da média dos últimos quatros. Galp e Jerónimo Martins são duas empresas que vão ter de pagar a contribuição de solidariedade sobre os lucros extraordinários. Pequeno comércio é excluído e vai beneficiar da receita.
Já se conhecem as regras pelas quais o governo propõe taxar os lucros extraordinários das empresas energéticas e do setor da distribuição alimentar, assim como o destino da receita adicional que o Estado vai arrecadar. "Dentro do alargamento que fez [à distribuição alimentar], a utilização dos fundos - e apesar de nos parecer estranha esta opção - tem pelo menos o aspeto positivo de se aplicar a causas como os consumidores, modernização do pequeno comércio e à requalificação dos profissionais. Achamos que, apesar de tudo, a aplicação vai ter utilidade", diz ao Dinheiro Vivo João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). As receitas obtidas com estas contribuições de solidariedade vão ser canalizadas para apoiar famílias vulneráveis, o pequeno comércio e restauração e para investimentos em eficiência energética e energias renováveis.

Na proposta de lei que deu entrada na Assembleia da República na sexta-feira à noite, o executivo estabelece que a contribuição de solidariedade temporária (CST) de 33% sobre os lucros extraordinários de empresas do setor da energia e da distribuição alimentar vai incidir sobre os lucros "que excedam o correspondente a 20% de aumento em relação à média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021".

Mas de fora ficam as micro (com menos de dez pessoas e volume de negócios anual até dois milhões de euros) e as pequenas empresas (menos de 50 trabalhadores e um volume de negócios anual até dez milhões de euros) da distribuição alimentar que, além disso, também vão beneficiar da receita das contribuições, nomeadamente as empresas "de comércio, serviços e restauração que sejam particularmente afetadas pelo aumento dos custos de funcionamento e da inflação e pela diminuição da procura, através da afetação parcial da receita ao Fundo de Modernização do Comércio para este efeito". Estes apoios, avança ainda a proposta, serão extensíveis "à qualificação dos profissionais", "para aumentar a resiliência destas empresas".

Para o líder da CCP, a aplicação desta taxa extraordinária à distribuição ainda não está completamente explicada. "A União Europeia resolveu aplicar este tipo de taxação à energia. Em Portugal não percebemos porque é que o governo resolveu também alargar ao setor alimentar", sublinha João Vieira Lopes. O presidente da CCP reconhece que "afetará mais os grandes operadores. Mas penso que ainda será mais regulamentada", adianta. A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), que representa as grandes insígnias de retalho alimentar no país, não se mostrou disponível para falar sobre a regulamentação proposta, mas o presidente da CCP afirma não ter dados que permitam concluir que existam lucros extraordinários no setor alimentar. "O governo é que tem essa opinião. Desconhecemos os fundamentos, mas em geral não nos parece que esteja a haver especulação com os produtos alimentares. A verdade é que os resultados destes anos também são influenciados pela inflação".

Galp e JM vão pagar

Na área da energia estão em causa empresas como a Galp, Endesa ou Iberdrola e na distribuição alimentar grupos como a Jerónimo Martins, dona da cadeia Pingo Doce. No caso da Galp, por exemplo, as contas apontam para que tenha de pagar esta taxa referente às contas deste ano. Entre 2018 e 2021 a petrolífera nacional somou lucros de 1682 milhões de euros, ou seja, uma média de 420,5 milhões de euros anuais. Aplicando a regra dos 20% acima, significa que a partir dos 505 milhões de euros de resultado líquido fica sujeita à taxa de 33%. Ora, até setembro deste ano, a Galp já regista 608 milhões de euros de lucro. Ou seja, a petrolífera vai pagar, no mínimo, sobre 103,4 milhões de euros, ou seja, 34 milhões de euros.

Na área da distribuição alimentar, a Jerónimo Martins (JM) acumula lucros de 1609 milhões desde 2018 e até 2021, o que dá uma média de 402 milhões de euros por ano. O que significa que a partir dos 482,7 milhões de lucro paga a nova taxa. Até setembro deste ano apresentou um lucro de 419 milhões de euros. Com este resultado a empresa não pagaria contribuição, mas é pouco provável que o grupo liderado por Pedro Soares dos Santos não ultrapasse o limiar até final de 2022. Só no quarto trimestre de 2021 a JM obteve lucros de 139 milhões de euros. Se repetir o resultado nos últimos quatro meses deste ano vai superar o limiar a partir do qual vai ter de pagar a taxa de 33%.

Esta contribuição extraordinária vai ser cobrada em 2022 e 2023 e não será dedutível para efeitos de pagamento de IRC.

A proposta de lei especifica que ficam abrangidas pela contribuição de solidariedade temporária na energia (CST Energia) as empresas que "desenvolvem atividades nos setores de petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação quando geram pelo menos 37,5 % do seu volume de negócios em atividades económicas dos setores da extração, mineração, refinação de petróleo ou fabricação de produtos de coqueria". Quanto à designada CST Distribuição Alimentar, o governo isenta as empresas "cuja atividade de comércio a retalho alimentar ou com predominância de produtos alimentares tenha, no período de tributação a que se refere a contribuição, natureza acessória", ou seja, se não representar mais do que 25 % do volume de negócios anual total.