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Empresas já não terão de justificar despedimento em período experimental
JORNAL DE NEGÓCIOS


O Governo prescindiu de um acordo em concertação social que apoiasse as cerca de 70 medidas da chamada “agenda do trabalho digno”, mas fez algumas cedências às associações patronais. Entre as alterações ao Código do Trabalho que caem, face à versão de outubro, está por exemplo a que obrigava os empregadores a justificar por escrito a razão da denúncia de qualquer contrato em período experimental.

“O empregador que denuncie o contrato de trabalho durante o período experimental deve comunicar ao trabalhador, por escrito, os motivos da respetiva denúncia”, lia-se na proposta de lei que chegou a ser publicada em outubro, para apreciação pública. Com a mudança de legislatura, o diploma caiu, e a lista de medidas voltou a ser debatida em concertação social, de onde saiu de forma definitiva esta quarta-feira, com algumas alterações.

A obrigação de comunicar ao trabalhador a razão era uma das dez “linhas vermelhas” definidas nos últimos dias pela Confederação Empresarial (CIP). Ao Negócios, Gregório Novo, diretor da CIP, explica porquê: “Começarmos a exigir que se diga a motivação seria começarmos a delimitar a possibilidade de fazer cessar o contrato no período experimental”, justifica.

Em 2019, o período experimental foi alargado de três para seis meses para jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, o que, na sequência de uma decisão do Constitucional, ficará limitado a quem tenha tido contratos a termo de 90 dias. Embora caia a obrigação de justificar por escrito a razão (que se aplicaria a todos os trabalhadores), o Governo mantém a intenção de aumentar o aviso prévio (de 15 para 30 dias quando o contrato durar mais de 120), de estabelecer que a denúncia não pode ser “abusiva” e, apenas nos casos de jovens e desempregados, de introduzir o dever de comunicação à ACT.

As questões relacionadas com o período experimental são sensíveis porque interferem na forma de despedimento de pessoas contratadas para o quadro. Durante este período experimental, que pode durar 90, 180 dias ou 240 dias, dependendo da função e do trabalhador em causa, as empresas podem dispensar as pessoas que contrataram sem termo sem justificação ou compensação. A intenção de “avaliar a criação de uma compensação específica” para jovens e desempregados também constava de um documento de outubro, mas desapareceu.

O peso dos contratos a prazo ou outros mais precários no conjunto do emprego tem vindo a cair, tendo atingido no ano passado o seu valor mínimo (17%) desde o início da série. Os dados são do INE, mas não permitem avaliar até que ponto esta redução resulta de fatores conjunturais, da redução da duração dos contratos a prazo já aprovada em 2019, ou do alargamento do período experimental decidido nessa altura, que pode ter provocado uma transição para contratos sem termo mas com um período de experiência (e de denúncia) mais lato.

Ainda na área dos despedimentos, o Governo desistiu da intenção de conferir de forma definitiva à ACT o poder de travar quaisquer despedimentos com indícios de ilicitude uma medida que foi introduzida de forma transitória durante a pandemia, mas que de acordo com as associações patronais – e da Ordem dos Advogados – corria riscos de inconstitucionalidade.

Em vez disso, o documento prevê agora que, de forma mais indireta, a ACT possa nestas situações notificar o empregador “para regularizar a situação ou, na sua falta, participar os factos aos serviços do Ministério Público, tendo em vista instaurar procedimento cautelar de suspensão de despedimento”.

Do documento caiu, ainda, a intenção de aumentar o valor pago a partir da 121.ª hora extraordinária, que o Governo diz que vai recuperar – para discussão – no futuro acordo de rendimentos.

A decisão foi justificada pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, com a intenção de atirar para as negociações que quer fechar no outono tudo o que mexa em valores salariais. Questões relacionadas com o Fundo de Compensação do Trabalho (FCT) e com a chamada “taxa de rotatividade” também ficam para essa altura.

Tribunais arbitrais avaliam razões de caducidade

Em contrapartida, indo mais ao encontro das preocupações dos sindicatos, o Governo introduziu uma medida para “instituir a possibilidade de uma das partes poder suscitar a apreciação por tribunal arbitral dos fundamentos” da denúncia de uma convenção coletiva, como sublinhou a ministra do Trabalho, no final da reunião de concertação social. A arbitragem necessária continua a estar prevista numa fase do processo que pode atrasar a caducidade, mas o prolongamento da suspensão por mais um ano, já garantido até abril de 2023, não fica claro.

As alterações serão aprovadas em junho, seguindo depois para o Parlamento.

Governo fez alterações pontuais ao diploma que já tinha prontoA versão apresentada aos parceiros sociais introduz algumas novidades ao documento distribuído em outubro e que já tinha sofrido alterações. Há medidas novas e outras que foram retocadas ou parcialmente eliminadas. Estas são algumas das alterações.
O QUE CAI
l As empresas já não terão de justificar, por escrito, a razão para dispensar trabalhadores durante o período experimental. A sugestão de uma compensação para alguns dos casos também desaparece;

l Cai a ideia de se tornar permanente a vigência do novo poder suspensivo da Autoridade para as Condições de Trabalho dos despedimentos com indícios de ilicitude;

l Responsabilização das cadeias de contratação, com reforço do regime de responsabilidade solidária;

l Aumento das horas extraordinárias a partir da 121.ª hora.

O QUE APARECE
l Possibilidade de o tribunal arbitral apreciar os fundamentos deduzidos para a denúncia de uma convenção coletiva. A arbitragem necessária também pode atrasar o processo;

l O reforço dos poderes da ACT nos despedimentos com indícios de ilicitude será feito através da participação dos factos ao Ministério Público, tendo
em vista procedimento cautelar;

l Projeto-piloto sobre a semana de quatro dias.

O ESSENCIALDO QUE SE MANTÉM
l Se a empresa de trabalho temporário não estiver licenciada, o trabalhador pode optar pela integração nesta ou na utilizadora. Mantêm-se ainda as restrições como a que prevê a duração máxima de quatro anos para cedência de trabalhadores temporários, entre muitas outras medidas nesta área;

l Alargar aos empresários em nome individual a aplicação da taxa quando há dependência económica;

l Ação especial para transformar contratos a termo em contratos sem termo;

l Alargamento da compensação para 24 dias por ano em caso de cessação de contrato de trabalho a termo (certo ou incerto);

l Outros ajustamentos ao período experimental;

l Criminalização do trabalho não declarado;

l Reforço das coimas a aplicar às empresas em diversas situações;

l Criar uma presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere, mas em linha com a diretiva europeia;

l Regimes de alargamento e de trabalho parcial nas licenças parentais.

Exigir que se diga a motivação seria começarmos a delimitar a possibilidade de cessar o contrato no período experimental.GREGÓRIO NOVO
Diretor da CIP