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Governo apresenta semana de 4 dias: vem sem corte de salário e com redução de horas semanais. Será voluntária e reversível
EXPRESSO


Sem corte de salário, com redução de horas semanais, voluntária, reversível e aberta a todas as empresas privadas, mas sem contrapartidas do Estado. Estas são as linhas essenciais da proposta de experiência piloto da semana de 4 dias de trabalho que o Governo vai apresentar na reunião do Conselho Permanente de Concertação Social(CPCS), na próxima quarta-feira.

O documento de trabalho, a que o Expresso teve acesso, indica quea experiência terá uma duração de seis meses, será antecedida de um período de preparação de três a quatro meses e, no final, “está previsto um período de reflexão de um mês, em que a gestão vai refletir sobre a experiência e determinar se vão manter a nova organização, voltar à semana de cinco dias, ou adotar um modelo híbrido”.

O cronograma oficial deste projeto estende-se por mais de ano e meio,do último trimestre de 2022 (manifestações de interesse e sessões de esclarecimento) ao segundo trimestre de 2024 (inquérito pós-piloto). As experiências deverão decorrer já em 2023.

Formalmente, o governo confirma que a experiência a desenvolver em Portugal é inspirada nos trabalhos já desenvolvidos no Reino Unido, Irlanda, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, organizadas pela 4-Day Week Global.

DAR APOIO TÉCNICO AOS PARTICIPANTES

“O Estado não oferece qualquer contrapartida financeira, mas fornece apoio técnico às empresas participantes(através de um serviço especializado em assessorar as empresas nesta mudança), com o foco na alteração dos processos internos e na resolução dos problemas que naturalmente surgem com uma mudança organizacional deste âmbito”, lê-se no texto da proposta, ponto único do CPCS de quarta-feira.

O executivo considera que o período de três meses para a preparação da experiência “é fundamental e obriga a um trabalho conjunto entre a gestão e os trabalhadores, para a melhoria de processos” admitindo, nesta fase, algumas desistências.

Como regra, está explícito que “a experiência não pode envolver corte salarial, e tem de implicar uma redução de horas semanais”. E,como o Estado não oferece nenhuma contrapartida financeira, “não será estipulado um número de horas semanais exatas, que podem ser 32 horas, 34, horas, 36 horas, definidas por acordo entre a gestão e os trabalhadores”.

Certo é, também, quepara avançar numa empresa, a experiência tem de envolver a grande maioria dos seus trabalhadores, exceto no caso de grandes empresas em que o modelo poderá ser testado em apenas em alguns estabelecimentos ou departamentos.

ADESÃO DAS EMPRESAS É UMA INCÓGNITA

O executivo admite quea adesão ao projeto está dependente do interesse que a iniciativa consiga gerar na comunidade empresarial,mas assume que no caso da adesão ser inferior a 40 empresas, a experiência-piloto continua garantida e a avaliação será feita comparando os resultados antes-durante-depois. “Funcionará como uma Prova de Conceito – a prova de que a semana de quatro dias pode funcionar em determinadas situações, enquanto prática de gestão”, diz a proposta.

“Se houver uma grande adesão, tal vai permitir dividirmos as empresas em grupo de tratamento e grupo de controlo”, de forma a haver uma “avaliação mais robusta dos efeitos da semana de quatro dias”, refere.

No entanto, reconhece que o facto de esta experiência funcionar com base na auto-seleção das empresas, “mesmo que seja muito concorrida, torna difícil a generalização dos resultados”. Isto porque “as empresas que decidirem participar têm em comum a motivação para o fazer, o que pode enviesar os resultados”.

“Se estas empresas reconhecerem os benefícios da semana de quatro dias e a mantiverem depois de terminados os seis meses, não poderemos assumir que estes benefícios ocorreriam em todas as empresas. Seria, no entanto, um indicador importante para decidir avançar para um estudo mais aprofundado da semana de quatro dias, com novas fases mais ambiciosas. Por outro lado,se esta prática de gestão não funcionar nestas empresas – que serão as que têm um interesse genuíno em que funcione – então muito dificilmente obteria sucesso se fosse generalizada a outras empresas nacionais, e seria, portanto, um indicador para não avançar para outros modelos de estudo”, afirma o documento.

AVALIAÇÃO EM DUAS FRENTES

Quanto à avaliação, vai centrar-se nos efeitos da semana de quatro dias nos trabalhadores e nas empresas. Do lado dos trabalhadores, serão medidos os efeitos no bem-estar, qualidade de vida, saúde mental e saúde física, bem como o seu nível de compromisso com a empresa, satisfação com o trabalho e intenção de permanecer na organização. Será, ainda estudado o uso de tempo dos trabalhadores nos dias de descanso, para perceber onde e como é usado o tempo não-trabalhado.

A nível familiar, será, também, possível avaliar eventuais reduções de custos em transportes ou deslocações e em serviços de apoio doméstico como prestação de cuidados de crianças, idosos ou pessoas com necessidades especiais.

Já no que se refere às empresas, o foco está na produtividade, competitividade, custos intermédios e lucros.

“Em termos concretos, é importante analisar os efeitos nas taxas de absentismo de curta e longa duração, na capacidade de recrutamento, na organização de processos internos, em indicadores financeiros e não financeiros de desempenho(por exemplo, queixas de clientes/utentes), na incidência de acidentes de trabalho, e no consumo de bens intermédios, quer matérias-primas quer gastos de energia”, diz a proposta.

A avaliação vai ser feita através de inquéritos, antes, durante e depois da experiência, desenhados para serem comparáveis com as outras experiências internacionais, mas adaptados à realidade portuguesa, procurando promover o cruzamento de dados.