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O peso e os riscos fiscais de um carro de empresa
Fleet Magazine


Nunca como nos últimos meses a carga fiscal que incide sobre o automóvel pesou tanto para as contas finais aos custos de utilização de um carro de empresa. Apesar da inesperada redução em 2,5% da Tributação Autónoma sobre os encargos com as viaturas plug-in de passageiros

Os impostos há muito que representam um fardo pesado para as empresas. E no que se refere à fatia que incide sobre a aquisição e utilização de carro de empresa, independentemente do facto de serem veículos operacionais ou “de função”, os custos totais de utilização subiram, em muitos casos, mais de 25% só no último ano. Principalmente em empresas que tiveram de adquirir ou renovar a frota com novas unidades.

Já não se trata apenas de em muitos, muitos casos, terem deixado de existir garantias de data para a chegada dos carros encomendados; já não há sequer garantias de que essas viaturas chegam com a totalidade das especificações com que foram encomendadas e, mais grave ainda, aos valores por que foram negociadas. O que obriga, nos financiamentos em renting, ao pedido de novas propostas às locadoras que, por sua vez, vão ter de aplicar custos de manutenção, pneus e serviços que por sua vez também encareceram, além de sobre o financiamento destes veículos recaírem taxas de juro cada vez mais elevadas.

Neste compasso de espera e a vivenciar diariamente um carrossel de emoções vive muito responsável de frota, sob pressão cruzada do departamento financeiro, do de recursos humanos e ainda dos gestores dos departamentos ou das delegações cujas operações dependem da chegada de novas viaturas. Um limbo onde diariamente se negoceiam extensões de contrato, se procura disponibilidade e se discutem os melhores valores para alugueres pontuais em rent-a-car ou flexíveis de alguns meses junto destas empresas ou de empresas gestoras de frota, muitas vezes prolongando o uso de veículos de uso intensivo muito além do tempo previsto e lidando com as reclamações de condutores para quem a troca periódica de viaturas era, não apenas uma prática corrente, como uma ansiada melhoria da viatura que lhe era atribuída. E assim acontecia porque a evolução automóvel e os descontos praticados pelas marcas o permitiam.

E porquê os impostos?

Preços de aquisição das viaturas mais elevados, margens de desconto mais reduzidas e escassez de oferta de modelos estão gradualmente a transformar o parque automóvel de muitas empresas.

Senão vejamos: olhando para os modelos enquadráveis no primeiro escalão da Tributação Autónoma o leque de modelos reduziu drasticamente. Se até há bem poucos anos este era um escalão dominado por versões diesel de automóveis como o Peugeot 308, Volkswagen Golf ou Renault Mégane, por exemplo, e nos dois/três últimos anos pelas motorizações plug-in destes mesmos modelos, muito dificilmente (para não dizer que é impossível) qualquer dos referidos consegue hoje ser negociado até 27.499 euros, ainda que sem IVA no caso de ser permitida a sua dedução.

Não é complicado perceber as razões: sobre um preço base da viatura mais elevado, acresce o valor de ISV, este ano com um aumento médio de 4%. Um aumento médio de 4% que, na realidade, acaba por ser mais elevado, uma vez que sobre o ISV incide igualmente o IVA. E uma vez que o ISV depende exclusivamente da cilindrada e do valor de emissões do automóvel em causa, sendo mais elevado o preço final da viatura e mais reduzida a taxa de descontos aplicada, ficou ainda mais esmagada qualquer margem de manobra para que pudesse concretizar-se uma concertação de negócio entre o representante nacional da marca, uma concessão automóvel e a locadora, quando prevalecia o interesse de assegurar determinado negócio.

Tributação Autónoma sobre o carro de empresa

O “alívio” de 2,5% da Tributação Autónoma sobre os automóveis plug-in de passageiros pode ajudar a atenuar parte dos efeitos referidos, evitando danos mais elevados nos orçamentos. Porque, com muito poucas opções no patamar inferior a 27.500 euros sem IVA (o novo Mitsubishi ASX, o Kia XCeed e a carrinha Ceed podem ser três das poucas opções ainda disponíveis, enquanto outros familiares compactos, igualmente com motor plug-in, só deverão conseguir ser negociados por grandes contas através das financeiras cativas das marcas), resta às empresas submeter os encargos dos automóveis cuja aquisição fique acima deste valor a uma taxa de Tributação Autónoma de 7,5%, em vez dos 2,5% a que poderiam fazê-lo caso tivessem sido adquiridos dentro do limite do primeiro patamar de TA.

Pela mesma ordem de razões (preço mais elevado, margens de desconto mais reduzidas, ISV ainda mais agravado pelo IVA devido a cilindradas e valores de emissões superiores), a situação complica-se no escalão mais elevado de Tributação Autónoma. Escalão esse onde a diferença entre submeter a Tributação Autónoma os encargos de um automóvel a gasóleo duplica de 17,5% para 35%, ou de 7,5% para 15%, tratando-se de um veículo com motor híbrido plug-in.

Lidar com expectativas

Nos dois patamares mais elevados de Tributação Autónoma cabem os automóveis balizados por um custo de aquisição até 35 mil euros e acima dos 35 mil euros. São habitualmente atribuídos a quadros superiores, nomeadamente técnicos especializados, gestores e administrativos, onde a viatura atribuída é muitas vezes utilizada como fonte de retenção ou de captação de talento. Razão pela qual é encarado como um patamar delicado, onde qualquer desvio à uniformização das viaturas pode ser mal interpretado, o que, naturalmente, se complica ainda mais quando as renovações acontecem de forma faseada e não em bloco.

Quer um desfasamento nas entregas, quer a falta de uniformização estão a acontecer na atual situação do mercado. E com rendas que chegam a subir 33% face aos valores praticados em contratos anteriores, muitos responsáveis de frota enfrentam ainda o complicado dilema de ter de explicar a necessidade de realizar um downgrade dos modelos atribuídos, em muitos casos aos seus próprios superiores hierárquicos.

E por que é que estas rendas subiram 33%? Se os impostos desempenharam um papel importante, também o custo do trabalho e os custos do financiamento estão a contribuir para tal. As próprias empresas gestoras de frota estão a ver reduzidas as suas margens negociais de aquisição de viaturas (quando estes valores não lhes chegam por via das empresas que lhes pedem propostas de renting), mas também a lidar com uma subida de custos com pneus e com a manutenção, por exemplo, além do aumento dos seus próprios custos administrativos. A isto acrescem taxas de juro mais elevadas e a recorrente indefinição em relação aos residuais de alguns modelos, quer devido à chegada de novas marcas automóveis, quer quanto ao valor futuro, por exemplo, de modelos a gasóleo e até de híbridos plug-in e puramente elétricos, no último caso muito devido à evolução galopante da tecnologia.

A verdade é que, quanto a este último respeito, todas as opiniões são válidas. Mas como dizia à Fleet Magazine o alto quadro de uma locadora a operar em Portugal, no final do ano o que os acionistas querem ver são relatórios de contas saudáveis e garantias de riscos mínimos de derrapagens no futuro…

E os outros impostos que incidem sobre o carro de empresa?

Embora não se façam sentir de forma tão evidente quanto o IVA, o ISV ou a Tributação Autónoma (provavelmente o imposto mais difícil de explicar a um utilizador de um carro quando existe necessidade de lhe demonstrar o custo real da mesma para a empresa), também o ISP, imposto sobre produtos petrolíferos, e o IUC podem vir a assumir mais peso nas contas finais.

O ISP porque a retirada gradual das medidas de mitigação do aumento dos preços dos combustíveis na definição deste imposto provoca uma inevitável subida do preço final quer do gasóleo, quer da gasolina; o Imposto Único de Circulação porque a sua fórmula para modelos atuais está dependente de dois fatores, cilindrada e valores de emissões de CO2, sendo que este último pode agravar-se com a entrada em vigor do Euro7, nomeadamente por via da homologação dos novos índices de emissão de CO2 dos (poucos) motores a gasóleo que restarem em comercialização.

Como prevenir e definir uma estratégia?

Não há fórmulas mágicas que proporcionem garantias de prevalecer o tempo suficiente para deixar os gestores recuperarem fôlego e margem de manobra.

A importância da carga fiscal sobre o automóvel tem um peso tão elevado no Orçamento do Estado português, que se torna difícil a qualquer governo prescindir do valor anualmente arrecadado. Por isso, a prática habitual tem sido gerir a fiscalidade automóvel procurando implementar medidas que, ainda que não sejam do contento de todas as partes, consigam conjugar o equilíbrio das receitas, as necessidades e a competitividade das empresas e o cumprimento dos compromissos do Estado para com as metas europeias no domínio da proteção ambiental.

Quanto às empresas, muitas estão a orientar, com algum risco e imprevistos pelo caminho, a transição energética da frota. Os benefícios fiscais têm um peso importante nessa decisão, mas a vantagem económica estende-se além dos próprios custos com o automóvel. Nomeadamente aos custos da pegada ecológica da empresa, desígnio que, para se cumprir, depende muito da redução das emissões da frota. E também pelos benefícios que a melhoria dos indicadores de sustentabilidade representam para a imagem de uma estrutura empresarial, quer ao nível do financiamento, quer ao nível de apoios angariados para novos investimentos.

Porém, repita-se, não existem fórmulas mágicas ou previsões consistentes, muito menos quando envolvem decisões no âmbito da política fiscal: e o primeiro sinal foi dado no Orçamento de 2023, através da Tributação Autónoma aplicável aos encargos com viaturas elétricas, cujo custo de aquisição seja – ou tenha sido, já que é aplicável às unidades adquiridas em anos anteriores – superior a 62.500 euros, com IVA excluído deste valor. Recorde-se, o atual regime de ISV não se aplica aos veículos 100% elétricos.

Pode também fazer-se aproveitamento de outros benefícios e apoios (por exemplo, no âmbito do PRR) que, embora não incidam diretamente sobre o automóvel, podem contribuir para a redução dos custos de utilização dos automóveis elétricos. Entre eles estão a instalação de fontes de produção de energia renovável, utilizável para o carregamento destas viaturas.

Carro de empresa: política de frota

As condicionantes anteriores e as incertezas quanto ao rumo da mobilidade e da própria economia estão a desencadear inevitáveis alterações na política de frota de muitas empresas.

Nomeadamente quanto ao modelo de atribuição de viatura. Tanto no caso dos automóveis de passageiros que são utilizados para fins exclusivamente operacionais e que estão diretamente relacionados com a atividade da empresa, como nas viaturas atribuídas como forma de complemento salarial, a derrapagem dos atuais custos de utilização e a perspetiva de que estes não venham a beneficiar de uma inflexão para valores anteriores, está a levar à redefinição dos cabazes de modelos atribuídos, com a entrada de novas marcas edowngradede tipologias de modelo.

Há também mais empresas a implementar, ou em processos de consultadoria com vista a aplicar, a transferência dos encargos da propriedade automóvel para aesfera pessoal do colaboradorou um simples acréscimo salarial equiparado ao custo do atual benefício automóvel. Com a possibilidade do colaborador, se assim o desejar, beneficiar das mesmas vantagens que a empresa tem junto das marcas e/ou das empresas gestoras de frota.

Finalmente os modelos de financiamento. Embora o renting, enquanto serviço, transporte grandes vantagens ao nível da flexibilidade e da gestão administrativa, bem como uma maior agilidade ao nível contabilístico, o modelo de cálculo do custo de aquisição de uma viatura através de um financiamento em leasing, por exemplo, pode trazer vantagens para a definição do escalão de Tributação Autónoma. Mas disto depende muito a política de aquisições de cada empresa e da sua capacidade de endividamento.