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Apoio à compra de elétricos não parece decisivo na opção do consumidor
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O Governo prepara-se para alterar os incentivos aos veículos elétricos. O tema foi discutido num debate Portugal Mobi Summit, no qual associações do setor criticaram a hipótese de redução no subsídio à aquisição de viatura elétrica nova.
O próximo Orçamento de Estado pode trazer novidades no que diz respeito aos incentivos diretos à aquisição de automóveis elétricos, sendo possível que em 2024 comece uma transição, do subsídio à compra para a tarifa de carregamento.

O quarto debate Portugal Mobi Summit circulou em torno deste tema, com os oradores a concordaram com a ideia de que os carros elétricos estão a expandir-se a velocidade acelerada no mercado português e que esta tecnologia tem grandes vantagens ambientais.

Questionado por Paulo Tavares, curador do PMS, sobre as alterações à política de incentivos sobre mobilidade elétrica, Marco Rebelo, secretário-geral do Ambiente (e diretor do fundo ambiental, que envolve subsídios de 1200 milhões de euros em várias áreas do setor) disse que havia medidas em estudo, mas não adiantou detalhes. O responsável reconheceu, no entanto, que o subsídio dado a novas aquisições tem limitações e que o apoio à tarifa de carregamento possui vantagens, mas não quis revelar quais as soluções sobre a mesa.

Mais do que económica, a questão parece ser política. "É necessário reduzir as emissões e temos de fazê-lo nas mais significativas", explicou Marco Rebelo. "O último inventário nacional diz-nos que 28% das emissões de gases com efeito de estufa em Portugal têm origem nos transportes. Podemos esperar que as coisas aconteçam de forma espontânea ou aceitar que os governos têm responsabilidade de induzir a mudança. Quando os governos tentam mudar os comportamentos, há várias hipóteses: impostos, incentivos, regulamentação. Em regra, as intervenções para desincentivar comportamentos são impopulares, por exemplo os impostos sobre os combustíveis, enquanto as intervenções para incentivar o comportamento desejado têm mais apoio público, nomeadamente os subsídios".

Sem querer antecipar o que vai ser decidido, Marco Rebelo sublinhou que já existe um apoio ao carregamento. "Cada vez que alguém carrega o seu veículo elétrico tem desconto de 19 cêntimos na tarifa, sem ter de se submeter a qualquer candidatura". A questão das candidaturas é importante para se entender a possibilidade de estar a ser ponderada uma alteração de rumo. O que aconteceu no passado é que os compradores de carros elétricos tinham de se candidatar ao subsídio estatal de 4 mil euros após a saída do despacho governamental, geralmente em março, esgotando rapidamente a verba disponível (no ano passado em redor de 5,2 milhões de euros). As contas são simples: isto deu para 1300 carros em 2022, apenas uma fração dos que foram vendidos. O subsídio não é universal e esgotou-se em três semanas.

A perspetiva de se mexer no sistema não agrada às organizações do setor. No debate promovido pela Mobi Summit, o diretor de marketing do Automóvel Clube de Portugal, Luís Figueiredo, criticou a eventual redução dos subsídios à compra: "Devemos pensar num programa abrangente de abate de automóveis a combustão. O parque automóvel tem uma idade média de 13,5 anos e é preciso um incentivo para os retirar da estrada, por razões ambientais e de segurança rodoviária". Na opinião do diretor do ACP, é necessário "manter o programa de incentivo à compra de carros elétricos". Estes veículos são caros e representam uma pequena percentagem do mercado automóvel, argumentou. Além disso, um estudo recente do ACP revelou que os proprietários carregam os seus carros geralmente em casa ou na empresa.

Henrique Sánchez, presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) concordou no essencial com a posição do ACP. "Sempre fomos claros em relação aos incentivos de aquisição de veículos elétricos", disse o responsável da UVE. "Não somos a favor da diminuição ou extinção. Primeiro, temos de vender os carros, só depois é que podemos ter outro tipo de apoios, por exemplo, ao carregamento". Segundo Henrique Sánchez, embora as vendas de carros elétricos estejam a aumentar muito depressa, o parque automóvel nacional ainda tem apenas 2% de veículos totalmente elétricos.

Na opinião da UVE, é preciso aumentar os incentivos de aquisição de automóvel elétrico. Esta organização de utilizadores reconhece que os programas podem e devem ser adaptados à realidade, mas defende a diminuição do valor máximo do automóvel com direito a subsídio, que é hoje superior a 62 mil euros. "Achamos que esse valor deve diminuir substancialmente, pois existe oferta [de automóveis elétricos] abaixo dos 40 mil e dos 30 mil euros", disse Henrique Sánchez. Em resumo, trata-se de deixar de apoiar a compra da gama mais cara. Dessa forma, acrescentou o Presidente da UVE, o apoio iria abranger maior número de pessoas com capacidade financeira para adquirir este tipo de veículo.

Por outro lado, o Estado deveria apoiar ainda mais o carregamento de carros elétricos, defendeu Henrique Sánchez. "Em relação à compra, somos a favor [do incentivo], deve haver majoração nos transportes pesados, seja de passageiros, seja de mercadorias". Sánchez também falou do apoio a carros elétricos em revenda e defendeu o aumento de 4 mil para 6 mil euros: "A Alemanha aumentou para mais de 10 mil euros, com condicionantes que me parecem interessantes: instalação simultânea de painéis fotovoltaicos, de bateria e a possibilidade de executar carregamentos bidirecionais.

Com as alterações climáticas, vamos ter de acelerar a transição energética na mobilidade humana e temos de pôr mais carros elétricos a circular", acrescentou o dirigente associativo.

Exemplos europeus

Marco Rebelo, por seu lado, defendeu que as mudanças em estudo serão uma evolução natural: "Passar do apoio à aquisição para o apoio à tarifa, diria que é uma medida de continuidade".

Segundo o secretário-geral do Ambiente, isto já está a ser feito em outras geografias: "Muitos países, incluindo Portugal, estão a assistir ao amadurecimento do mercado, especialmente para os veículos ligeiros, cujas quotas de vendas aumentam exponencialmente". Citando números do ACAP, o governante acrescentou que "nos primeiros sete meses de 2023, 17% dos veículos vendidos em Portugal eram elétricos, suplantando as vendas dos veículos a diesel". Na comparação homóloga dos primeiros sete meses de 2022 e o mesmo período de 2023, as vendas passaram de 8,9 mil para 18,9 mil, portanto, para mais do dobro. E, no entanto, os apoios não foram alterados. Em conclusão, disse Marco Rebelo, "não se pode fazer uma relação direta entre as vendas, que aumentaram exponencialmente, e os apoios do Estado, que foram iguais".

Estes números sugerem que o incentivo do Estado não é decisivo na escolha do consumidor. Segundo Marco Rebelo, há países a reduzir progressivamente ou a eliminar os incentivos à aquisição de novos veículos, sendo as verbas transferidas para outras áreas, como transporte pesado ou carregamento. As compras continuam a crescer a grande ritmo. "Em mercados como os de Reino Unido, Suíça, Polónia, Finlândia, Dinamarca, o apoio está a passar gradualmente da aquisição dos veículos para o carregamento", concluiu Marco Rebelo.

Esta parte do debate gerou alguma polémica e Luís Figueiredo discordou do que dissera o diretor do fundo ambiental. O diretor do ACP considerou que o incentivo devia continuar a ser dirigido para a aquisição de automóveis, não para subsidiar energia: "Isso é um erro, do nosso ponto de vista", disse. "Temos de pensar que vamos ter cinco milhões de automóveis para alimentar de eletricidade. Precisamos de políticas integradas, a primeira das quais é o abate. Temos de tirar da estrada o elemento poluente, disponibilizar energia para chegar às garagens dos prédios, criação de energia verde usando as casas dos particulares. Tem de ser mais abrangente".

Henrique Sánchez também discordou: "Partimos de números insignificantes. Neste momento, existem em Portugal pouco mais de cem mil veículos elétricos, para um parque automóvel de 5,5 milhões. Falando de Portugal, continuamos a defender, se possível, o aumento do incentivo à aquisição para os particulares. Para as empresas, o pacote existente é provavelmente um dos melhores da Europa. Alguém que tenha 55 mil euros para comprar um carro elétrico talvez não precise do apoio, mas quem tenha 25 mil ou 30 mil para adquirir esse veículo, se calhar precisa do apoio do Estado. A UVE continua a defender que devem continuar os apoios de compra de carregadores elétricos, algo que veio facilitar a vida nos condomínios e nas empresas", disse ainda.

Marco Rebelo argumentou que "a infraestrutura de carregamento é uma barreira crítica à adoção do carro elétrico", por isso outros países estão a canalizar as verbas disponíveis para os equipamentos de carregamento. O secretário-geral do Ambiente citou um estudo recente da Agência Internacional de Energia, onde se afirma que quase 80% das vendas globais de viaturas elétricas estão cobertas por políticas de apoio ao carregamento. Em relação à política de apoios em Portugal, o governante explicou que não houve candidaturas suficientes para utilizar o dinheiro que financiava postos de carregamento públicos, dando a entender que este tipo de apoio foi pouco eficaz.

No debate foi também discutida a perceção sobre os principais obstáculos à compra de um veículo elétrico. Para Luís Figueiredo, do ACP, as principais barreiras são a autonomia dos carros, a rede de energia dos prédios e o preço. Em relação a este último, o dirigente considera que existe tendência para baixar, devido à produção em quantidade, ao desenvolvimento das tecnologias, bem como aproveitamento das baterias e dos seus resíduos.

Henrique Sánchez preferiu mencionar a questão da informação. "Quando chega algo de disruptivo, surge resistência. Há entidades que vão perder negócio, têm milhões de motores a gasolina e a gasóleo, caixas de velocidade. As petrolíferas deixam de vender combustíveis fósseis, passam a vender energia. É preciso combater a desinformação. Os carros elétricos vão triunfar, não apenas por razões ambientais, mas por serem muito melhores e mais eficientes".